Em todo o Rio Grande do Sul, a quebra na produção de sementes do cereal pode chegar a 50%.
Por Eliane Silva — Ribeirão Preto (SP) (Globo Rural)
01/12/2023 05h30 Atualizado há 2 semanas
Excesso de chuvas prejudicou as condições das lavouras de trigo e afetou a produção de sementes — Foto: Divulgação/Epagri
O gaúcho Pedro Basso, da terceira geração de produtores certificados de sementes da família em Vacaria (RS), produziu 5.000 toneladas de sementes de trigo no ano passado. Neste ano, estimava chegar a 7.000 toneladas de sementes em 1.300 hectares, mas já prevê uma perda de pelo menos 30%, embora ainda tenha mais da metade para colher.
Em algumas regiões do Rio Grande do Sul, que, junto com o Paraná, respondem por 86% da produção nacional de trigo, a situação é ainda pior e já há estimativas de perdas de até 50% das sementes.
“Aqui em Vacaria já choveu quatro a cinco vezes mais do que a cultura necessita. Foram 2.000 mm neste ano, quando a média histórica não passa de 1.800 mm. O grão menor e de qualidade inferior deve gerar um descarte bem maior no beneficiamento para a produção de sementes”, diz o produtor, acrescentando que a chuva, além de atrapalhar a colheita, aumenta as doenças na lavoura e a sombra ou falta de sol também “é um ladrão silencioso” da semente.
Pedro Basso é produtor certificado de sementes de trigo em Vacaria (RS) — Foto: Divulgação
Basso conta que o ideal para uma produtividade do trigo seria um volume de chuva de 400 mm entre junho e novembro. Segundo o Climatempo, só em novembro, até o dia 26, choveu 328 mm, o que representa 210% do que era esperado para o mês.
A única vantagem da chuva nesta época, diz o produtor de sementes, é que o preço do trigo voltou a subir, depois de uma queda significativa (custava quase R$ 100 há um ano e chegou a R$ 54) causada pelo excesso de oferta. Em 2023, o Rio Grande do Sul colheu a sua melhor safra dos últimos 20 anos.
Em 2021, Basso colheu um recorde histórico em sua propriedade de 98 sacas em média por hectare graças a um clima frio altamente favorável em julho, época de perfilamento dos grãos e aos investimentos em variedades, tecnologia e manejo.
O agricultor, que planta cultivares de alta qualidade genética, usa o plantio direto há mais de 30 anos, rotação de culturas e colheitadeiras axiais reguladas para sementes, diz que quem vai ter ainda mais problemas na próxima safra é o triticultor que planta sementes salvas, aquelas produzidas em sua própria fazenda para cultivo no ano seguinte.
“Se nós, multiplicadores de sementes certificadas, que temos know how e tecnologia para beneficiar as sementes, estamos com problemas, imagina o produtor que não tem nem estrutura de secagem”, comenta.
Basso acredita que o preço da semente deve subir, acompanhando o custo do grão e a paridade do mercado. Segundo ele, o custo de produção de semente certificada para trigo é 50% maior do que outras culturas por causa da quebra e pelo fato de o descarte de trigo só servir para produção de ração, enquanto a soja que não tem qualidade para exportação, por exemplo, pode ser destinada à produção de óleo e outros produtos.
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Genética
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Márcio Só e Silva, sócio-diretor e melhorista da Semevinea, empresa focada no desenvolvimento genético de sementes de trigo com sede em Ernestina (RS), diz que, em sua experiência de 40 anos como pesquisador da Embrapa e melhorista, nunca vivenciou um El Niño tão forte em volume de chuvas e em falta de luminosidade quanto o deste ano.
Márcio Só e Silva, da Semevinea, espera uma quebra de 50% na produção de sementes no RS — Foto: Semevinea/Divulgação
Ele estima que as perdas médias do Estado podem chegar a 50% porque a maioria das regiões já terminou a colheita. Segundo ele, na região das Missões tem produtor tirando apenas de 20 a 30 sacos de trigo por hectare contra uma produtividade média no ano passado de 57 sacos.
“A disponibilidade de sementes no Estado é geralmente de 300 mil toneladas. Com esse volume de chuvas, não sei se teremos 150 mil, mas o produtor tem que plantar. Que opção ele tem além do trigo para a safra de inverno? As leguminosas de inverno devem sofrer ainda mais. A pior hipótese, no entanto, é deixar a terra em pousio, sem gerar renda.”
O melhorista, no entanto, acredita que a região sul vai ter uma safra de verão melhor e, como as culturas de inverno são dependentes do resultado do verão, a expectativa é que isso melhore o humor do produtor e o incentive a plantar culturas de inverno. “Mas, é claro que a decisão de investir mais ou menos no trigo depende do preço da saca”, finaliza.
Condições das lavouras
O último boletim da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em novembro, apontou uma área plantada de trigo de 3.439,7 mil hectares, um aumento de 12,1% no país. A produção, no entanto, deve fechar com 9.633,3 mil toneladas, uma queda de 8,7%. A queda de produtividade deve ser ainda maior: 18,6%.
No Rio Grande do Sul, segundo o boletim, os problemas decorrentes dos altos volumes de chuva ocorridos em setembro foram intensificados em outubro. As chuvas constantes, a manutenção de alta umidade do ar, a baixa insolação e as temperaturas muito oscilantes, não permitiram o adequado tratamento preventivo das doenças da espiga.
“Essas condições foram extremamente benéficas ao desenvolvimento das doenças, especialmente na estrutura reprodutiva das plantas, comprometendo a qualidade e produtividade das lavouras. Granizo, ventos fortes e alagamentos também ocorreram de forma localizada em vários municípios, durante o ciclo da cultura. Além da redução da produtividade há também a diminuição da qualidade dos grãos”, diz a análise da Conab.
Segundo o boletim, em algumas áreas semeadas ainda em maio, foram produzidos grãos com PH 78 ou superior, mas em outras o PH ficou em torno de 64, desclassificando o produto. Além disso, alguns agricultores colheram os grãos ainda úmidos, embora isso acarrete custos adicionais de secagem dos grãos.
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